quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O Caboclo de Capanema

Quando postei a crônica, “O pião-roxo de Capanema”, no Portal Literal (www.portalliteral.com.br), não imaginei, que fosse tão longe, tendo sido bem aceita pelos escritores que visitam o site constantemente. Foi e muitos deles, que chegaram a comentar o texto, fizeram referências a outro tipo de planta – também muito conhecida por mim, e que possui “propriedades” muito semelhantes às do pião-roxo. Não! Não sou feiticeiro! Pelo amor de Deus, não saiam por aí a me atribuir tal alcunha. Nada mais além do que um simples caboco paraense, sou apenas um escritor, tentando reaver certos “lances” pregressos da vida, do tempo em que coisas simples serviam de escudo contra os malefícios do azar. A planta referida anteriormente é a “comigo-ninguém-pode”, que, igualmente ao pião-roxo, era cultivada com muito esmero, mas, que – por se tratar de um tajá, era mantida com muito cuidado e sempre distante das crianças, que – inocentemente, poderiam nela passar a mão e levá-la à boca, o que seria muito perigoso, pois, como toda planta desse tipo, provoca coceira, vômito, e – dizem, poderia até matar. Não sei. Nunca vi alguém falecer de ingestão de “comigo-ninguém-pode”. Para com ela, minha mãe dedicava especial atenção. Quando em um “vaso” – que podia ser até uma lata vazia envolta em papel colorido, permanecia em lugar estratégico da casa: atrás de uma porta, além de ser o ideal, mantinha-a em discrição, escondida de olhares maldosos, que ela combatia. Em noites de lua, mamãe costumava colocá-la para fora de casa, no terreiro, para que “pegasse” o luar. Isso – dizia a mulher, servia para renovar as forças benéficas do vegetal. Em épocas específicas, das quais já não me recordo mais, a planta – lembro-me bem, costumava receber reforços (coisas esquisitas, que não valem a pena enumerar). Hoje, o “comigo-ninguém-pode” deve andar por aí, meio esquecido, substituído – quem sabe, por cercas elétricas, portões de ferro, carros blindados, guardas-noturnos, circuitos internos e externos de câmeras de vídeo, vigias, cães e outras coisas que o valham. Assim como a figa de pau-de-Angola, a ferradura – que não era de ferro, mas, de madeira, e o pé de coelho colocados atrás da porta da rua, o “comigo-ninguém-pode”, hoje, pode muito pouco. Quase nada. O trevo de quatro folhas trazia boa sorte, a raminha de arruda atrás da orelha espantava o mau-olhado, que dava quebranto, o sinal da cruz feito na testa ao sair de casa combatia a urucubaca, e o se levantar da cama com o pé direito livrava – por exemplo, o sujeito de perder o ônibus de manhã cedo para ir ao trabalho. O dente de alho no bolso da calça ou da camisa espantava os maus fluidos, não passar por debaixo de escada evitava a panema, não cruzar com gato preto na rua era certeza de bons negócios, e não sair de casa em sexta-feira treze era garantia de sossego. Eram tantas as armaduras, tamanha a proteção. Nesse campo, mamãe ganhava de longe os melhores e mais sofisticados esquemas de segurança. Ela também benzia. Contra várias doenças: espinhela caída, garganta inflamada, dores de toda espécie, rasgadura. Mas tinha uma que mais me impressionava: a cura de esipla. O paciente sentava e mostrava o pé lesado para a mulher. Ela ia lá dentro de casa, e – quando voltava, trazia um cotoco de faca, separado somente para esse tipo de coisa, que ela guardava em uma caixa de sapato, junto a outros apetrechos do ofício. Ela sentava em um banquinho, colocava o pé da pessoa sobre o joelho, e – então, dava início à reza, mas, em voz tão baixa, que ninguém entendia nada, e sempre com a faquinha na mão, esgrimindo, sempre em forma de cruz, a arma sobre o pé da vítima – mas sem tocar nele. Em dado momento, ela cessava o cicio e perguntava ao doente: o que corto? Ele então respondia: esipla. Ela retrucava: esipla eu corto. O ritual se dava por três vezes e em três dias consecutivos ao fim dos quais o processo de cura se completava. Foi daí, desse procedimento, que surgiu a expressão: essa faca está mais cega do que faca de cortar esipla, utilizada até hoje. Ainda há muito mais histórias para contar. Pena, que, hoje, o “poder” disso tudo ande distante.

Mas, feitiços, até hoje existem.

Um comentário:

  1. Parabéns, amigo!
    Bom reencontrá-lo professor. Eu, o Gerson, hoje mais chamado de Ícaro. Sempre recordo com os amigos comuns Orlando Tadeu Ataíde e o Elias sobre sua passagem por Marituba. Tenho muito orgulho de ter sido seu aluno naquela querida cidade. Um grande abraço!

    ResponderExcluir