quarta-feira, 6 de abril de 2011

Fim

Não guardes para mim o que não te serve mais. Sobejos, me convêm... Prefiro a palha de teus olhos ao sol da tarde e ao azul que ficou para trás.

Eles conversam comigo e conservam a nudez refestelada de eras anteriores, quando não passavas por meus sonhos, e ficavas à mercê de minhas lembranças.

E tu, gentil cortesã, brindava-nos com teus encantos, e – noite adentro, inebriados, cantávamos tuas delícias, depois de ter usurpado tua pétala derradeira.

Em vão folgávamos de manhã, certos de que – extenuada, já não valias um vintém. Esmolas, costumávamos atirar aos pássaros, na praça por onde já não passavas mais. Teu caminho findara...

E agora eras as pedras da calçada, que calcávamos com rudes palavras até que se esgotassem as possibilidades de infeliz reconciliação. Repúnhamos então nossas vestes e saíamos...

Abraçados, retomávamos – a esmo, outra direção, descrentes de tudo, que pudesse se parecer com teus seios, conluio, que – naquela noite, me trouxe inesperadamente o que deixei escapar.

Não. Não guardes para mim o que não te serve mais. Aos porcos, o que estava reservado a esse fim de tarde, e – se, ainda assim, te sentires sozinha, lança-te às trevas... Que o fim se aproxima.

Corpo

Uma mulher morreu. De quem era o corpo? O de Neide não era. Conheço muito bem aquele corpo. Talvez o de Naza, mas – como saber, se – àquela hora, o sol espera teu nascer?

Um corpo de mulher brotou da garganta da tarde e subiu – envolto em neblina, à torre do templo, de onde – cansado de sonhos, fremia o badalo do sino até que seus ouvidos se enchessem de dor.

Um corpo sem nome nem sexo, de mistério e esperma revestido, sangrou até que a morte se esvaísse, e dele a mais rica das estrelas, surgisse.

Esse corpo de quem nada sabemos talvez seja o de Mayra, que abusou da sorte de sorrir, e – sempre que fazia isso, naufragava em sentimentos confusos...

Essa mulher, que ora ao vento, um dia foi isso: a calmaria da costa que nos aguardava, e que – em gotas suicidas, deitou-se e se deixou encaixar.

Agora, que desvendei o segredo do corpo encontrado, sei que o sol, que secou teus cabelos, e o sal, que conservou teu leito, não eram mais que a sombra do mar movediço em que teus pés afundaram, a areia que se perdeu, quando teus seios se tornaram partida, quando o barco de nossa ignomínia despertou a madrugada...

A madrugada que pariu um corpo de mulher.