terça-feira, 30 de março de 2010

Gente boa

Outro dia, acompanhado do amigo Rairul Louchard, saí à procura de um colega recém chegado à cidade, advogado e jornalista, que atende pelo nome de “Sampaio”. Procurávamos por ele, a fim de convidá-lo para uma reunião de escritores, que aconteceria naquele mesmo dia – à noite, em minha residência. Andávamos no veículo de Rairul – autor de “Sua Majestade”, até que batemos à Justiça do Trabalho, onde adentramos, antecedidos de uma senhora, que, viríamos saber depois, era advogada. Ela, que chegara antes de nós, sentou-se à mesa do rapaz, negro e forte, enfiado em um paletó, que lhe aumentava a envergadura, e acabava – senão lhe tirando, mas, pelo menos, atenuando-lhe a condição de atendente, atento às considerações da mulher. Rairul, que se adiantara a mim, foi quem primeiro lhe dirigiu a palavra, sempre naquele seu estilo meloso e difuso de falar, perguntando ao enfatuado, se ali trabalhava algum Dr. Sampaio. Não ouvi resposta do rapaz, mas, quem acabou nos respondendo, foi a senhora, que manejava uma pasta parecida àquelas, que, normalmente, nos fóruns e cartórios de comarcas, os causídicos costumam abarcar. Adiantei-me um pouco, de modo a quase ficar frente a frente com o pseudo atendente da Justiça trabalhista, que, calado, atentava ao que a advogada lhe dizia – e ao que ela lhe mostrava também, sem, contudo, demonstrar o menor interesse por nós, e mesmo ao que nos respondera a gentil senhora, certamente já incomodada pelo pouco caso, que nos fazia o engravatado. Nesse instante, ao presenciar a cena, veio-me de imediato o pensamento de que se tratava de um mudo. Lembrei-me em um átimo das vagas de emprego reservadas a pessoas deficientes – principalmente em repartições públicas, no que fui – de pronto, desenganado, ao ouvir a voz do tal recepcionista, que se dirigia à doutora. Foi então que me senti tentado a me dirigir ao cidadão de preto, fazendo-lhe quase a mesma pergunta de Rairul. Desviando leve e rapidamente a atenção do calhamaço da advogada, o rapazote me disse que não, que ali não existia nenhum Dr. Sampaio, e que nos dirigíssemos ao Ministério do Trabalho e do Emprego, que ficava ali perto, que talvez fosse lá. Recebida a informação, saímos na direção indicada, onde, finalmente, achamos o Sampaio. No dia seguinte, quando nos encontramos novamente, eu e Rairul, ainda ressentidos pela falta de cortesia do mancebo, que nos atendera tão mal, de repente, pegamo-nos a articular uma explicação para o fato da véspera. A versão partiu de mim, e consiste no seguinte: o rapaz nos prejulgou. Ele viu dois “zés-ninguéns” diante dele. O primeiro, um senhor já de boa idade, alto, chapéu de palha, óculos escuros, camisa mangas longas e calça preta. O outro, senhor já de idade avançada, cabelos quase todos brancos, baixinho, barba mal feita e uma pasta preta de trinta reais debaixo do braço. Ele não pressentiu nenhum ar de doutor com quem ele está acostumado a lidar. Ele pensou: esses devem ser dois espertinhos, que já vem querendo me aplicar o golpe da inteira da passagem do ônibus, quer ver? Só que eu não vou dar a mínima para eles. Todo dia aparecem por aqui com a história de sempre: viemos do Estado vizinho e não temos dinheiro para comprar a passagem de volta, pode nos arranjar dois reais? Rimos bastante, mas contamos a história a outro colega, que conhece o balconista, e ele nos disse, que o cara é gente boa.

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