terça-feira, 30 de março de 2010

Canção de fecundidade

Venço a noite, que amanhecia, e de suas entranhas recolho o hálito dos cães, que purgavam nossas chagas. Eu era a foice, ceifando os sonhos dos que não se deixavam dormir...
Dessa guerra em diante, perambulo bosques e avenidas, amaldiçoando os que abençoam e ferindo os que cuidam de mim. Sou a perniciosidade das mães, que enfrentam a mansidão de lagos e manhãs...
Tolos faziam seus mortos subirem a telhados, sobejos se aglomeravam por caminhos e tanques, andrajos imploravam para ser vara, incréus me pediam as mãos para ver...
Eu ia à esquina e colocava algo no estômago e lembrava as moscas, que voejavam nossos quartos largados na estrada. Reconheço aqui uma tíbia. Ali, a pelve e os pelos de sovacos...
E – antes que refizesses a cama, pedia que te prevenisses. Mas tu, que atiravas às flores tuas pétalas, desfazias-te das trapaças deixadas em casa, quando vinhas me encontrar. Ele chorava, mas que podias fazer?
Em seguida, encaixávamos nossos braços e saíamos como se houvéssemos. E – de longe, ouvíamos as lamúrias, que ressurgiam a nos assustar. Eu – então, perguntava: que fim levou? Silêncio, nada respondias...
Mas, quando se aproximava a hora de voltar, já não eras mais tu, que eu ouvia. Era a noite vencida, trespassada, que me alcançava, e sorrindo desse infortúnio, fecundava a manhã...
A manhã, que nem eu sentia.

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