terça-feira, 30 de março de 2010

Canção de antiguidade

Capino na pedra, seguindo a direção que ela indica.
Caibo na enxada e com ela firmo o pacto: a partir de hoje, adiante, sempre junto, vai o esforço para não me atrasar.
Sou o caminho que vamos fazendo.
Para onde iremos, só saberemos depois, quando a grama da praça desaparecer.
Por isso, me apresso. Tenho pensos sobre mim, trago trapos nos olhos e de longe percebo a multidão.
Caminho ruas estreitas cercadas de casarões. Eles me encaram de suas fachadas antigas e de seus frontais brota a borra de dias passados.
Em seus cômodos, fantasmas assombram paisagens em paredes, que dormiam...
Em seus quartos e salões, a salmoura do verão e a puxada da mulher na chuva.
Dos pórticos, brotam o vento e as anáguas das que ficaram, e – hoje, absorvem o que lhes sobrou.
Capino sobre as pedras do quintal, esse caminho, que cruzo, onde reencontro parentes e vizinhos de antes e de ontem.
O baque que trago é o de gerações fundidas em sucessivas prenhezes, a mãe, que pariu onze, os sete que se criaram, dois já morreram (sou um deles).
Fui – e, quando pensava ficar, cheguei depois das seis, quando nada mais era permitido.
Capino o mundo que não me pertence. Dele extraio o que me distrai... Traio-me e sou traído pelo barulho de minha cabeça.
O que sou agora, já soou... Sigo o caminho traçado por nós.

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