segunda-feira, 14 de junho de 2010

O pião-roxo de Capanema


Foi na cidade de Capanema, região nordeste do Pará, depois de longo tempo, que vim encontrar de novo a prática de um costume paraense, que há muito não via. Em Belém – cidade onde nasci, por lá era comum se encontrar, na frente – plantado no chão, ou na entrada da casa – em um vaso, um pé de pião-roxo. Diziam os mais antigos, que essa planta tinha o poder de espantar coisas ruins: mal intencionados, invejosos – sempre a carregar “olho-gordo” consigo, azar, “moleza”, etc. Minha mãe, profunda conhecedora dessas crendices, não ficava sem um pé da planta em nossa casa. Às vezes – muitas, aliás, não satisfeita com a presença do vegetal às proximidades da residência, danava-se – sempre às sextas-feiras, a dar surras – por dentro e por fora, no imóvel, com galhos da planta. Eu, quando a vi pela primeira vez, fazendo isso, indaguei: “Mãe, por que a senhora tá fazendo isso?” Ela, sem parar de bater nas paredes, portas, caixilhos e janelas, mas já demonstrando algum sinal de cansaço, respondeu: “É prá espantar os maus-olhados, meu filho.” Eu não sabia bem o que era aquilo – mau olhado, mas, só pelo jeito de ela falar, deduzia que não era coisa boa. Mais tarde, já refeita da luta (sim, porque, na verdade, aquilo se constituía em uma verdadeira luta do bem contra o mal), após ter tomado um banho, preparado com ervas recolhidas do quintal, ela me chamava para explicar, dando detalhes do esconjuro. Sentada em um banquinho de madeira, no terreiro da casa, ela me colocava entre as pernas, e – iniciando a conversa, punha-se a catar meus piolhos. Nesse momento, eu podia então sentir do corpo dela o cheiro agradável das ervas, que, amassadas e esfregadas com a água do banho nas palmas das mãos, desfaziam-se em milhares de pedacinhos, que permaneciam – aqui e ali, colados ao corpo da mulher até que ele, entregue à brisa da manhã, secasse por completo. Sim, porque, conforme rezava a tradição, depois de banhos como esses, a pessoa não podia se enxugar, senão os efeitos dele não se realizavam. Por isso, ela ficava por um bom tempo ali, ainda molhada, esperando... Dizia-me, então, que, ultimamente, as coisas não vinham muito bem dentro de casa: o dinheiro andava vasqueiro e – por isso, a comida sempre regrada; as doenças – parece uma coisa, a afligir a todos quase de uma só vez; o pai, que não ia bem no emprego, alvo de encrencas dos falsos amigos; até a criação de patos e galinhas atingida pela pevide. Esses eram, portanto, os motivos do “descarrego”, que, em suma, sintetizavam-se no seguinte: afastar de casa toda e qualquer mandinga, que havia contra a família. A própria vizinhança era incluída na lista dos mandingueiros, aqueles que não podiam ver as meninas usando um vestido novo, que não se contentavam com a geladeira adquirida à prestação e com muito sacrifício, enfim, tudo isso sendo “engolido” com muito falatório maldoso, típico dos invejosos. Minha mãe era católica, sim, mas não dispensava entre os santos do oratório, quase escondido em um canto do quarto do casal, umas imagens de entidades cultuadas pela umbanda. A eles, ela – toda noite, acendia uma vela e fazia seus pedidos e orava contritamente. Não costumava freqüentar templos, a não ser em ocasiões especiais. O pequeno pé de pião-roxo, solitário na porta da casa, chamou-me atenção, quando eu passava por ele. Lembrei-me de tudo, e – em menos de um minuto, conclui então que ele não se encontrava ali por acaso. Fora plantado propositalmente, quem sabe por alguém, que – como minha mãe, pensava que a planta possuísse poderes sobrenaturais de afastar os malefícios. Já a defumação, aplicada depois da surra na casa inteira e até nos membros da família, servia para atrair fluidos benfazejos. Certamente, que a pessoa, que plantou o pião-roxo de Capanema, possuía os mesmo motivos, que sempre levaram minha mãe a manter um pé da planta na frente de nossa casa.
Antigamente, uma simples planta, servia para nos proteger.